Sentado à secretária, frente à janela, recebo os últimos raios de um sol morno de inverno.
Enquanto rabisco sobre um papel traços retorcidos e desajeitados, vou recordando a primeira vez que te vi, aqui mesmo em frente, junto ao moinho, agora transformado em casa de habitação. Uma visão que nunca esquecerei. De contornos elegantes, vestias calças de ganga e uma blusa azul-mar atada à cintura, deixando ver a pele morena na zona que o tecido não cobria. Cabelos escuros ondulando ao sabor da brisa, tinhas a mão direita sobre os olhos para te protegerem da luz do sol, enquanto olhavas o mar, procurando algum barco, ou alguém que viesse ao teu encontro, ou simplesmente admirando o belo entardecer daquele dia outunal.
Foi o nosso primeiro contacto visual.
Alguns dias passados, voltaste ao mesmo local, e a tua saudação de braço agitado no ar traduziu-se num chamamento que não recusei. No toque das mãos a saudarem-se, senti a tua pele macia e aveludada, ao mesmo tempo que o olhar e o sorriso declararam, naquele instante, um convite à amizade que sem nos apercebermos ali iria nascer.
Mudos, sentados, encostados ao moinho, assistimos a um dos mais belos crepúsculos de que tenho memória. O sol, mergulhando no mar, lançava labaredas de uma fogueira a extinguir-se. Ainda iluminados pela luz alaranjada do pôr do sol, olhámo-nos, e só então reparei que não tinha largado a tua mão desde que nos sentámos sobre a duna. Trocámos breves palavras, e na despedida ficou a esperança de novos encontros.
Outros encontros se seguiram, sempre no mesmo local,e o mesmo cerimonial. Aquele moinho foi testemunha das nossas conversas, enquanto assistíamos ao maravilhoso espetáculo do pôr do sol, descobrindo, de cada vez, novos quadros que o sol desenhava na sua despedida enquanto nos estendia a passadeira alaranjada até à areia, parecendo convidar-nos para segui-lo até ao palácio onde passaria a noite.
A minha casa ficava a curta distância, e oferecia mais comodidade para nos instalarmos. A paisagem era a mesma observada do moinho. O convite surgiu e o teu "sim" silencioso transportou-nos da areia da duna para as almofadas que forravam as cadeiras do meu terraço.
Bejei-te pela primeira vez sob o olhar atento das gaivotas que, no ar, namoravam agitadas, e do sol que, espreitando através do último fio de mar, sorria com inveja.
Foi depois de um dos momentos mais escaldantes vividos que me revelaste o mal que lentamente te corroía e que à noite te toldavam os olhos de lágrimas e a alma de tristeza. Antes de te retirares abracei-te demoradamente tentando reconfortar-te em silêncio, enquanto te beijava ardentemete. Mal imaginava eu que seria o nosso último beijo.
Nunca mais te voltei a ver nem tive notícias tuas, ficando na incerteza do teu estado ou do teu desstino. Ainda hoje aguardo um sinal que me diga que estás viva e que me devolva a esperança de te voltar a ver.
Absorto nestes pensamentos, não me apercebi que já não avistava o moinho. Apressei-me a acender a luz, descobrindo a imagem que durante todo este tempo o meu lápis esboçou.
Nunca tive grande jeito para o desenho, mas confesso que gostei da imagem que à minha frente me fez recordar o passado.
José Alves
