Número total de visualizações de páginas

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A CASA DA PRAIA




PASSAVA já das nove horas da noite quando, pelas frestas das portadas da janela do meu quarto, entrou uma luz intensa, mais brilhante que a própria luz do dia. De imediato, o candeeiro, que estava sobre a velha mesa de madeira transformada em secretária, apagou-se. Imerso numa escuridão absoluta, continuava a ver relampejos fluorescentes, dando-me a sensação de que tinha cegado naquele instante. O longo estrondo do trovão não se fez esperar, fazendo lembrar o barulho de mil tambores soando simultaneamente antes da execução dos condenados.
Apesar de conhecer os cantos à casa, deambulei no vazio, procurando o caminho para a sala. Os pés antecipavam-se ao resto do corpo e as mãos serviam de antenas, tomando todas as precauções para não embater nalgum obstáculo que surgisse pela frente.
“ Cá está a porta do quarto”. Agora era só virar à esquerda e caminhar pelo corredor até encontrar a porta da sala. Eu sabia que, sobre a lareira, estava um candelabro que me ajudaria a sair das trevas nesta situação de emergência.
Enquanto caminhava, novo clarão iluminou toda a sala. O feixe de luz entrou pela janela cuja portada ficava quase sempre aberta. O estrondo que se seguiu fez tilintar os copos que estavam alinhados na prateleira inferior do louceiro.
Aproveitando os breves segundos que durou a luz do relâmpago, descobri de imediato os fósforos que estavam ao lado do candelabro. Uma a uma, acendi as quatro velas que, já meio gastas, se mantinham estoicamente vigilantes nos seus encaixes.
Frente à janela da sala, quase com o nariz colado ao vidro, onde se formava uma ténue neblina provocada pela respiração, deixei-me ficar imóvel, transformado em estátua. Os raios rasgavam o manto escuro do céu, vomitando o fogo da sua ira sobre as águas agitadas do mar, onde se precipitavam desesperados. Depressa os clarões foram-se tornando cada vez mais ténues, ao mesmo tempo que o ruído provocado pelos trovões ia sendo abafado pelo rumor das ondas enfurecidas atirando-se violentamente sobre a areia da praia.
O reflexo do candelabro aceso no vidro da janela era a única paisagem que naquele momento os meus olhos conseguiam vislumbrar.
 Pela minha memória ia passando, como num filme, imagens de cenas vividas neste espaço e os segredos que estas paredes guardavam tão sigilosamente:
Crianças correndo brincando às escondidas, cartas de jogo espalhadas sobre a mesa emparelhando segundo as regras da sueca, ou o ruído dos dados de outro grupo que jogava ao poker. Os cheiros exóticos dos petiscos que grelhavam sobre as brasas da lareira. O calor do sol sobre as lajes do terraço que neste momento estava mesmo em frente a meus olhos.
Interrompo os meus devaneios e, de candelabro na mão, dirijo-me para o quarto. Não me tinha apercebido que a luz já tinha voltado, e o candeeiro sobre a mesa já estava aceso.
O quarto ficou inundado do aroma a cera que as velas do candelabro exalavam à medida que as ia apagando, ao mesmo tempo que emitiam um fio ondulante de fumo esbranquiçado.
Sobre a mesa jaziam as folhas de papel que estava escrevendo até ao instante do apagão.
Reli o texto acabado de escrever:
“No cimo de uma pequena elevação de terreno, semioculta no meio das dunas, ergue-se uma pequena casa, de linhas simples mas harmoniosas. Paredes de pedra escura enrugada pelos anos, mostra-se altiva em dias de sol e encolhida nos dias de nortada.
 Nasceu sobre as ruínas pedregosas do casebre que o meu avô tinha construído para guardar os apetrechos da pesca. Durante anos sucessivos foi crescendo até se tornar na configuração adulta que apresenta hoje em dia. Ultimamente afeiçoei-me a ela mais intensamente e embelezei-a com novas e renovadas cores e apetrechei-a com os requisitos de conforto mais modernos.
Virada para o mar, com as duas janelas rasgadas a cada extremo da parece virada a poente, faz lembrar a mulher do pescador que espera a chegada do barco, com seus olhos vidrados, fixos no horizonte.
A meio rasga-se a ampla porta da sala que nos dias de sol deixa entrar o cheiro a maresia, o calor do sol e o agradável aroma que as algas espalham no ar.
Do lado nascente tem um aspecto mais altaneiro, porque o declive do terreno permite-lhe prolongar as paredes para um nível inferior. Uma pequena escadaria em pedra, serpenteando a encosta do terreno, permite o aceso à parte superior da casa. Esta zona está ajardinada com chorões que, na primavera, transforma o terreno arenoso num tapete colorido de uma beleza ímpar.
O muro de pedra que rodeia toda a casa, limitando o terreno, apenas recortado por duas cancelas em madeira, uma do lado nascente, a outra, de tamanho mais reduzido, virada para o mar,   “…..

Fechei os olhos, simulando a falta de luz, e, depois de avaliar o que tinha acabado de ler, senti uma certa insatisfação com o que tinha escrito. Não senti vontade de continuar e lancei as folhas no cesto dos papeis.
Sei que é impossível atingir a perfeição, mas este texto estava demasiado imperfeito.
Amanhã voltarei a escrevinhar, esperando que a inspiração ajude a melhorar a minha criatividade.


José Alves


2 comentários:

  1. Gostei do que li, José!
    Parabéns pelo texto, e pela resolução deste passo, que me permitiu visitar a sua casa na praia. Continue a escrevinhar, sem receios, por que a perfeição virá de mãos dadas com a inspiração.
    Aguardo por mais...
    Flor

    ResponderEliminar