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terça-feira, 24 de setembro de 2019

ENVIA-ME CARTAS (II)


Quando me virei, vislumbrei apenas a mancha rubra e desfocada do casaco que se afastava lentamente. Caminhavas cabisbaixa, e em ritmo pausado, embrenhada possivelmente, na desilusão de não teres concretizado os teus sonhos, ou de não teres descoberto em mim a reciprocidade dos teus gestos.

Desapareceste, por fim, no meio da multidão que fervilhava na praça. Não voltei a ver o teu rosto para poder avaliar o teu semblante. Talvez tivesse descoberto a amargura das lágrimas que brotam dos corações oprimidos pela tristeza.

Prossegui o caminho rumo ao meu próprio destino, levando-te no pensamento, e recordando os curtos mas agradáveis momentos que a tua companhia me proporcionou.

Vieram-me à memória as tuas mãos geladas, e o olhar brilhante cada vez que procuravas as minhas para as aquecer. Lia no teu olhar a ansiedade de cada encontro, e o confronto da realidade e do sonho.

Sentados à mesa do café esquecíamos, por momentos, a refeição que tínhamos na frente até que as nossas mãos irrequietas se encontrassem novamente.  

Na profundidade dos teus olhos ia descobrindo a chama do desejo que, lentamente, despertava os teus sentidos.

No jardim, alheavas-te dos olhares transeuntes que nos observavam, e roubavas-me inúmeros beijos timidamente retribuídos por mim, em gestos carinhosos mais discretos.

Não foi fácil conter o entusiasmo desses momentos, nem manter os pés firmes no chão, quando as asas só nos queriam elevar às nuvens. Mas o tempo precipitava a hora da despedida.

O último abraço, e os beijos mais ansiados, foram trocados no desespero daquela separação. Ambos pressentíamos que aquele encontro não voltaria a repetir-se.

As palavras ficaram-me presas na emoção do adeus que nos separou, mas a esperança de um reencontro permanece acesa.

José Santos

sexta-feira, 14 de junho de 2019

ENVIA-ME CARTAS (I)



ENVIA-ME CARTAS (I)

Sempre pensei que esquecer o passado seria fácil... Puro engano.

Descobri, nos meus devaneios, a existência de vários tipos de "passado":

O PASSADO triste, sombrio, adormecido ao som de suaves melodias, num presente brilhante e risonho.

O PASSADO feliz, sorridente, que derrama impetuosas lembranças num presente de tormentos.

E o PASSADO radioso e encantador, iluminado pelo sol da felicidade aqui presente.

Escrevo-te hoje esta carta porque me lembrei da época em vivemos felizes, unidos na partilha dos mesmos ideais e sonhos. Recordo-me dos dias plenos de sintonia e sentimentos, quando ao pisar as mesmas veredas projectávamos  o futuro.

Porém naquele dia viraste-me as costas para abrir as portas a um outro amor, e nunca mais te vi. Fiquei em solidão e trevas, desejando esquecer o que atrás ficou. Senti frio, aquele frio gelado que sopra vindo de norte. Na minha mente jamais se ofuscou a imagem do teu afastamento. Partiste na direcção oposta, sem um olhar de despedida.

Quis esquecer-me de tudo, dos momentos a dois, tão íntimos e tão nossos, onde nos alheávamos de tudo quantos nos rodeava.

Passaram-se já alguns anos, mas ainda não olvidei os detalhes dos nossos encontros porque tu permaneces aqui, presente em mim.

Pergunto-me diversas vezes se já te terás esquecido de mim, ou se ainda pairam sobre ti algumas memórias…

Não creio que volte a escreve-te, necessito alhear-me de ti e das recordações passadas.

Despeço-me por fim com um beijo de quem, apesar de tudo, continua a amar-te.

Miguel